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Como encontrar inspiração: 7 talentos essenciais e 14 exercícios de escrita

Uma das dúvidas mais comuns entre os aspirantes a escritores é: como encontrar inspiração para escrever?

Escrevi um artigo que explica a minha estratégia favorita para iniciar uma história, ao centrar a narrativa numa mensagem específica, mas, naturalmente, essa não é a única estratégia existente.

No livro Eu Escrevo Contos e Novelas (título original: J’Écris des Nouvelles et des Contes), um guia de escrita criativa publicado em 1994, o francês Louis Timbal-Duclaux defende que existem sete talentos essenciais que os escritores devem desenvolver, cultivar e afinar para arranjarem ideias e inspiração de uma forma mais rápida e natural.

São eles:

1. Aprende a olhar

De acordo com Louis Timbal-Duclaux, “toda a gente vê, mas ver não é olhar”.

No entender do autor, “olhar” implica uma atenção voluntária e sustentada que não existe em “ver”. Um pouco como, ao desenhar ou pintar um determinado objeto, o artista necessita de analisar as linhas, sombras, volumes, intensidade, valores, brilhos e tonalidades do mesmo, para perceber a melhor forma de o reproduzir, um escritor deve desenvolver uma aptidão especial para traduzir o que vê através de palavras.

É este olhar particular que permite ao escritor descobrir a “ordem oculta” das coisas, ou seja, as “leis secretas que estão subjacentes ao espetáculo”.

“Este talento vale não só para os cenários e as paisagens, mas também para as pessoas”, explica Louis Timbal-Duclaux, o que nem por isso faz com que os psicólogos, por exemplo, sejam automaticamente bons romancistas, visto que muitas vezes incorrem no erro de explicar mais do que descrever.

Na verdade, de acordo com o francês, para um romancista, “qualquer domínio do saber pode ser útil: as ciências naturais, a física, a geologia, a biologia e a medicina, as diferentes técnicas, a história, a geografia, a etnologia”.

O que importa é, como se costuma dizer, “ver com olhos de ver”.

Propostas de exercícios

Olhar a natureza

Louis Timbal-Duclaux sugere que saias para observar um qualquer espetáculo animado da natureza, seja ele uma aranha a tecer os seus fios, formigas atarefadas ou um arvoredo a balançar ao vento, e que o tentes depois descrever por palavras num único parágrafo.

O objetivo é que, quando terminares, releias o que escreveste e percebas como este simples exercício transformou a tua visão dessa realidade, tornando-a mais interessante.

Olhar uma pessoa

Desloca-te a um lugar público (um parque, um autocarro, uma sala de espera) onde possas observar pessoas sem seres inconveniente. Foca-te numa única pessoa e tenta traduzir mentalmente em palavras tudo o que ela tem de particular em relação às outras. Se necessário, toma notas rápidas, sem te preocupares com frases.

Depois, volta para casa (ou para o lugar onde te sentes mais confortável a escrever) e imagina que a pessoa que observaste é procurada pela polícia e que tu precisas de a descrever através de indicações muito precisas. Tens um parágrafo para o fazer.

2. Aprende a escutar

“Salvo enfermidade, toda a gente ouve”, escreve Louis Timbal-Duclaux. “Mas nem toda a gente mobiliza a sua atenção na escuta concreta dos ruídos da natureza ou nas maneiras de falar das pessoas.”

Escutar estimula-te a imaginação, ajudando-te a ter mais ideias. Também te ensina a construir melhores diálogos, a reconstituir ambientes sonoros ou a escrever melhores cenas que passem no escuro ou nas quais um personagem é cego ou impactado, de alguma forma, por uma fonte sonora.

Se pretendes desenvolver a tua capacidade de escutar, habitua-te a captar a forma sonora das palavras, ao invés de, somente, o seu “conteúdo”.

Propostas de exercícios

O cego

Louis Timbal-Duclaux sugere três formas distintas para fazer este exercício.

Podes, por exemplo, colocar tampões nos ouvidos e tentar compreender o que se passa numa sala onde estejam várias pessoas sem ouvir as suas conversas, escrevendo depois um parágrafo sobre isso.

Ou então, no mesmo ambiente, podes tapar os olhos e concentrares-te apenas no que ouves, reconstituindo depois o essencial desse ambiente sonoro em algumas linhas de texto.

Por fim, podes recorrer a um programa de televisão. Observa, primeiro, o ecrã com o som cortado e anota as tuas impressões. Depois, volta atrás na emissão e observa a mesma cena com som. As duas versões são muito diferentes?

A cena muda

Escreve uma cena na qual várias pessoas se mexem e falam. Primeiro, do ponto de vista de uma pessoa com uma acuidade visual normal e, em seguida, do ponto de vista de uma pessoa cega, relatando os mesmos acontecimentos pela mesma ordem.

3. Aprende a sentir

Louis Timbal-Duclaux afirma que, à medida que crescemos, a nossa educação leva-nos a refrear as nossas próprias emoções, de modo a que nos tornemos mais atentos às dos outros.

No entanto, para o francês, esta situação tem tanto de positivo como de negativo: “É positiva se aprendemos a levar melhor em conta os sentimentos dos outros e a interpretá-los corretamente. É negativa se nos leva permanentemente a reprimir as nossas próprias emoções e a não exprimi-las em público.”

Isto porque “uma boa parte da arte da narração consiste em descrever o mundo das emoções humanas”.

O autor recomenda, então, que se despreze ocasionalmente a moral, de modo a tomar mais consciência das emoções. As boas e as menos boas.

Propostas de exercícios

Escutar e dar nome às emoções

Imagina a seguinte situação: esta manhã, como todos os dias, o carteiro vai entregar correspondência na tua caixa de correio.

Imagina também que esperas impacientemente uma carta.

Começa por descrever como é que esta espera acontece em ti. Que pensamentos te agitam? Como é que o menor ruído na rua te faz estremecer?

E, depois, ao chegar finalmente o carteiro, como são as tuas reações? Pegas nos envelopes e rasga-los para ler? Sentes-te chateado? Dececionado? Furioso?

Sentir as emoções dos outros

Agora que aprendeste a captar as tuas emoções, faz o mesmo exercício com as de outras pessoas.

No decorrer de uma conversa, observa atentamente a postura da pessoa com quem estás. Os seus traços, as suas mímicas, a forma como reage a uma determinada expressão. Se necessário, tenta reexpressar o que ela te diz. Por exemplo: “Se bem entendo, estás ao mesmo tempo triste e zangada com o que aconteceu.”

Observa se a outra pessoa aprova ou corrige a tua interpretação e anota, mais tarde, a cena numa folha de papel.

O jogo dos papéis

Observa, sem intervir, uma cena entre duas pessoas — o ideal até é que seja uma discussão mais tensa.

Começa por identificar-te com a primeira, tentando sentir em ti o que ela sente. Depois, muda de papel e faz o mesmo exercício com a outra. No fim, escreve esta experiência na forma de um diálogo.

4. Aprende a recordar

Louis Timbal-Duclaux acredita que a memória mais útil para um escritor não é a memória utilitária, que nos ajuda, por exemplo, a lembrarmo-nos de onde deixamos as chaves de casa, mas sim a memória que nos permite reviver com a maior intensidade e detalhe os episódios do passado que nos marcaram.

“Este tipo de memória não é espontâneo, deve ser domesticado, cultivado para poder ser utilizado na escrita”, escreve o autor. “Não é uma simples recordação, é uma ressurreição viva do nosso vivido longínquo. E fazer reviver estas cenas passadas é o material privilegiado do romancista.

Propostas de exercícios

Uma recordação da infância

Pensa num episódio da tua infância que te tenha marcado. Escreve-o num parágrafo.

A seguir, relê e escreve, em poucas linhas, porque é que esta recordação é tão importante para ti.

Devidamente trabalhada, esta recordação poderá tornar-se o núcleo a partir do qual construirás uma nova história.

5. Lê para te documentares

Para encontrar inspiração para as suas narrativas, os escritores podem basear-se nas memórias das suas experiências de vida, mas também nos livros que vão lendo — e nas histórias que vão conhecendo, de uma maneira geral.

“A grande ingenuidade do aspirante a escritor é valorizar demais a imaginação e acreditar que vai inventar tudo na cabeça, de A a Z, à medida que escreve”, explica Louis Timbal-Duclaux.

O autor divide as leituras, em particular, em dois grandes grupos: leituras documentais e leituras literárias.

As leituras documentais são aquelas que nos dão informação técnica importante. Um conhecimento aprofundado sobre um determinado assunto. Por sua vez, as leituras literárias dão-nos bases de referência ao nível do estilo. Algo ao qual aspirar.

O autor afirma que estes últimos livros não precisam forçosamente de ter sido escritos por gigantes da literatura, mas simplesmente por autores que criaram histórias que nos agradam. Recomenda, contudo, que sejam lidos duas vezes: a primeira por prazer e a segunda para analisar como fizeram para nos provocar um determinado efeito.

Propostas de exercícios

Inventário de competências

“Por mais humilde que seja, você será competente num ou em vários campos”, escreve Louis Timbal-Duclaux. “Ora, é típico que o escritor iniciante que pratica a escrita nos tempos livres tenha a tendência para negligenciar as suas competências reais para tentar imaginar mundos que não conhece ou conhece mal. Inversamente, o escritor profissional sabe tirar partido de todas as suas competências reais.”

O desafio é, por isso, somente este: faz uma lista das tuas competências e dos teus conhecimentos (mais usuais e mais invulgares). Utiliza-os em ficções futuras.

Leitura reativa

Pega num livro que, à partida, corresponda ao teu objetivo enquanto escritor e lê-o com um bloco de notas ao lado, assinalando no processo as tuas principais reações e reflexões. Quando terminares, escreve a tua reação final.

A seguir, relê tudo o que escreveste para compreenderes melhor como o autor exerceu o seu talento sobre ti.

6. Aprende a trabalhar com as palavras

O escritor trabalha com as palavras da mesma forma que o pintor trabalha com o lápis e a cor e o escultor com o mármore e a argila.

De acordo com Louis Timbal-Duclaux, os escritores devem, por isso, desenvolver uma curiosidade acentuada para com as palavras.

Propostas de exercícios

O meu caderno de palavras

Anota num caderno, a cada leitura, as palavras novas, obscuras ou interessantes com que te deparas. Relê este caderno de tempos a tempos como fonte de inspiração.

A origem das palavras

“Muitos ensaios e romances são construídos em volta de uma palavra central que frequentemente figura no título”, explica Louis Timbal-Duclaux.

“Quando começa um novo texto, não se prive do poderoso meio de ação que consiste em interrogar as palavras-chave do seu ensaio ou história. Construirá assim o ‘campo semântico’ desta palavra com todos os termos ou expressões que lhe são aparentados, o que lhe dará outras tantas pistas para iniciar a sua reflexão.”

Experimenta escrever a “palavra-chave” da tua história no meio de uma folha e anotar, depois, ao seu redor, todos os sentidos que essa palavra pode ter, nas mais diversas ocorrências.

7. Aprende a trabalhar com o inconsciente

“Na vida corrente, pressionados pelas obrigações, ouvimos pouco o nosso inconsciente. Só de madrugada ou muito cedo de manhã ou no decurso dos sonhos é que ele se manifesta”, escreve Louis Timbal-Duclaux. “Para o escritor à procura de ideias, o importante é saber debruçar-se sobre o seu inconsciente e escutá-lo com seriedade e respeito. Em vez disso, a maior parte das pessoas reprimem as suas solicitações ou mascaram-nas para as tornar mais convenientes a seus olhos.”

Para poderes ter e explorar novas ideias, deves aprender a estimular o teu subconsciente, colocar-lhe questões e saber reconhecer o modo como ele responde — o que, por vezes, pode implicar alguma paciência.

Deves também compreender que cada coisa tem o seu papel. “Se se tratar de clarificar uma história ou montar um argumento, é o consciente que está melhor colocado. Em contrapartida, se se tratar de tornar mais densa a atmosfera, de criar mistério, de utilizar símbolos, o inconsciente será eficaz.”

Na prática, o autor recomenda que estejas mais atento às “pequenas lufadas de inspiração” que te atravessam a cabeça, nunca as reprimindo, mas sim colaborando com elas num diálogo paciente.

Propostas de exercícios

Nomear o inconsciente

Dá ao teu inconsciente um nome secreto que o humanize e torne o diálogo mais fácil. Justifica a tua escolha num parágrafo sob a forma de um diálogo entre estas duas partes de ti.

Trabalhar com o inconsciente

Pensa numa pequena intriga da qual possas construir uma história. Avança para a escrita e, assim que chegares a um impasse, em vez de insistires, coloca o problema ao teu inconsciente e deixa-o trabalhar.

Talvez demore um pouco, por isso aproveita para fazer outra coisa qualquer. Contudo, mantém-te atento e acolhe com satisfação qualquer intuição que te venha à cabeça, mesmo que à partida te pareça pouco pertinente.

Mexe e remexe nesta ideia para a incorporares na tua história. Repete este processo até a terminares e analisa o resultado.

Como encontrar inspiração: um resumo

Se tens dificuldade em encontrar ideias e inspiração para as tuas histórias, segue os conselhos de Louis Timbal-Duclaux e procura trabalhar sete aspetos em ti.

Desenvolve a forma como observas, escutas e sentes as coisas ao teu redor. Apura a tua memória sensorial. Lê mais, tanto para acumulares mais conhecimento técnico como para aprender as manhas e os segredos dos escritores que mais admiras. Enriquece a tua relação com as palavras e deixa de reprimir as ideias aparentemente desconexas do teu inconsciente, pois é possível que tenham razão de ser.

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