Save the Cat: o que é e como nos ajuda a escrever melhores histórias?

Com o Save the Cat, de Blake Snyder, o processo de escrita de guiões, romances e outras histórias pode ficar muito mais simples. Já o conheces?
O que é o Save the Cat?

Save the Cat é um famoso modelo de construção narrativa desenvolvido em 2005 pelo guionista americano Blake Snyder. Originalmente pensado para a escrita de filmes, o método é baseado numa “beat sheet” composta por 15 etapas.
Quem foi Blake Snyder?
Blake Snyder foi o responsável pela escrita de filmes como Stop! Or My Mom Will Shoot (1992) e Blank Check (1994). Isto não será, por si só, muito abonatório, mas a verdade é que o homem percebia mesmo de estrutura narrativa, acumulando uma experiência de mais de vinte anos na escrita, edição e venda de guiões.
Porque criou o Save the Cat?
Convicto de que os livros sobre escrita de guiões eram, regra geral, demasiado técnicos e “estéreis”, Snyder decidiu publicar ele próprio um manual, de cariz mais prático, com as suas ideias. O livro revelou-se um enorme sucesso, influenciando a forma como se escrevem guiões um pouco por todo o mundo.
Porque se chama Save the Cat?
Blake Snyder deu ao seu livro o título de Save the Cat! inspirado pelas típicas cenas de introdução em que os heróis fazem algo que, em simultâneo, define quem são e gera simpatia entre o público. Como salvar um gato.

O Save the Cat serve apenas para escrever guiões?
O método foi pensado para a escrita de guiões, mas também pode ser aplicado a outros formatos, como livros. Aliás, em 2018, nove anos após a morte de Blake Snyder, a autora Jessica Brody publicou um spin-off especificamente dedicado à escrita de romances: Save the Cat! Writes a Novel.
Quais são os 15 pontos narrativos do Save the Cat?
O Save the Cat é composto por um total de 15 pontos/etapas/batidas que não só devem ser cumpridos como devem aparecer em lugares específicos da história.
No seu livro, Blake Snyder detalha cada um destes pontos e ainda deixa sugestões — embora as refira mais como “obrigações” — das páginas em que devem surgir, considerando para o efeito um guião de 110 páginas.
1. Imagem de Abertura
Nome original: Opening Image
Deve surgir na página: 1
Como é que a história abre? Qual é a primeira coisa que vemos, no caso de um filme ou de uma peça de teatro, e qual é a primeira coisa que lemos, no caso de um livro?
É uma oportunidade importante para captar a atenção do leitor ou do espectador e convencê-lo a permanecer connosco.
“A imagem de abertura faz muita coisa”, escreve Blake Snyder. “Define o tom, a disposição e o estilo do filme. Muitas vezes, apresenta o personagem principal e mostra-nos um instantâneo prévio da sua vida. Mas, acima de tudo, faz com que nos recostemos nos nossos lugares e digamos: isto vai ser bom!”
2. Declaração do Tema
Nome original: Theme Stated
Deve surgir na página: 5
Todas as histórias devem ter um objetivo. Um tema que querem debater. Uma mensagem que querem transmitir. No fundo, uma razão de ser.
Este é o momento em que esse tema surge pela primeira vez, idealmente de forma subtil, mas evidente o suficiente para despertar o leitor ou o espectador para o que vai realmente ser explorado.
“Algures nos primeiros cinco minutos de um guião bem estruturado, alguém (geralmente não o personagem principal) solta uma pergunta ou uma declaração (geralmente para o personagem principal) que é o tema do filme”, escreve Blake Snyder. “Esta afirmação é a premissa temática do filme.”
Para mais informações sobre como criar a premissa temática de uma narrativa, consulta este artigo: Como começar a escrever uma história.
3. Contexto
Nome original: Set-Up
Deve surgir entre as páginas: 1 e 10
Ao longo da história vai acontecer alguma coisa importante. Uma paixão imprevista. Um desastre assombroso. Seja o que for, será algo capaz de dar a volta à vida (externa e/ou interna) dos teus personagens, certo?
No entanto, para que os leitores compreendam o impacto desse evento, precisam primeiro de saber como era a vida “pré-evento” dos personagens.
É para isso que serve esta etapa.
“É aqui que vemos o mundo como ele é antes de a aventura começar”, escreve Blake Snyder. “É a calma antes da tempestade. Se os eventos seguintes não acontecessem, as coisas permaneceriam mais ou menos assim. Mas sentimos que está prestes a chegar uma tempestade, porque manter tudo como está é o mesmo que morrer. As coisas têm de mudar.”
4. Catalisador
Nome original: Catalyst
Deve surgir na página: 12
O tal evento que vai irromper na vida do protagonista? Outra palavra para o definir é “catalisador”. E é aqui que surge.
Costuma ser um acontecimento negativo (um acidente, uma ameaça, uma tragédia pessoal), mas também pode ser algo positivo, como uma oportunidade inesperada de carreira ou de amor ou de enriquecimento.
É um dos pontos mais importantes de toda a história, até porque funciona, muitas vezes, para conquistar ou perder de vez a atenção dos leitores e espectadores.
“Gosto dos momentos catalisadores porque refletem a vida”, escreve Blake Snyder. “São momentos que nos acontecem a todos. E os momentos que nos alteram as vidas chegam, com frequência, mascarados de más notícias.”
5. Debate
Nome original: Debate
Deve surgir entre as páginas: 12 e 25
Como é que o nosso protagonista reage perante a bombástica notícia/ameaça/oportunidade com a qual se depara no ponto anterior?
Tipicamente, com um misto de desconfiança, relutância e medo. Afinal, reagir vai representar uma grande mudança na sua vida. E as mudanças podem ser assustadoras.
Esta secção serve precisamente para apresentar essa hesitação.
“A secção de debate é isso mesmo: um debate”, explica Blake Snyder. “É a última oportunidade para o herói dizer: isto é uma loucura. E nós precisamos que ele ou ela perceba isso. Devo ir? Atrevo-me a ir? É perigoso, claro, mas que escolha tenho? Ficar aqui?”

6. Entrada no Segundo Ato
Nome original: Break Into Two
Deve surgir na página: 25
Depois de muito pensar, o protagonista toma uma decisão: vai arriscar. E ainda bem, porque, caso contrário, a história não teria razão de ser.
Este é o momento em que abandona o “conforto” do seu mundo conhecido e se aventura na assustadora incógnita a que chamamos segundo ato.
“O herói não pode ser enganado ou manipulado a entrar no segundo ato. Tem de ser o próprio a tomar essa decisão”, explica Blake Snyder. “É, aliás, isso que faz dele um herói: ser proativo.”
7. Enredo Secundário
Nome original: B Story
Deve surgir na página: 30
Na maior parte das histórias, é um subenredo romântico. Tipicamente envolve personagens novos. Mas não tem de ser assim.
O que importa é facilitar a transição do mundo conhecido para o mundo desconhecido sem perder de vista o tema da narrativa.
“O enredo secundário tem um papel importante”, escreve Blake Snyder. “Não só providencia o subenredo romântico e um lugar para discutir abertamente o tema do filme como permite ao escritor uma transição vital no enredo principal.”
8. Jogos e Diversão
Nome original: Fun and Games
Deve surgir entre as páginas: 30 e 55
Chegado ao mundo desconhecido, o nosso protagonista procura adaptar-se da melhor forma que consegue. É isso que devemos entender por “Jogos e Diversão”.
Por exemplo, numa história sobre um super-herói, esta é a secção em que ele procura dominar e tirar partido dos seus recém-adquiridos poderes.
“A secção de Jogos e Diversão é a parte do guião que, como gosto de dizer, providencia a promessa da premissa”, refere Blake Snyder. “É o núcleo e a essência do cartaz do filme. É onde são encontradas a maioria das cenas do trailer.”
9. Ponto Médio
Nome original: Midpoint
Deve surgir na página: 55
Depois do vendaval que o “Catalisador” representou na vida do nosso protagonista, vem aí um furacão.
Pois é, logo agora que o nosso protagonista se estava a adaptar ao seu novo mundo, chega uma notícia, um desafio ou um sucesso com o potencial de pôr tudo novamente de pernas para o ar. Uma reviravolta surpreendente.
“Ao estudar centenas de filmes, descobri que o ponto médio pode ser para ‘cima’, quando o herói parece ter chegado ao topo (embora seja um falso topo), ou para ‘baixo’, quando o mundo colapsa em redor do herói (embora seja um falso colapso)”, explica Blake Snyder. “Quando decidimos qual destes pontos médios é que o nosso guião exige, é como pregar firmemente um prego numa parede.”
10. Os Antagonistas Aproximam-se
Nome original: Bad Guys Close In
Deve surgir entre as páginas: 55 e 75
Pois é, o que aconteceu no “Ponto Médio” vai ter consequências — e o mais certo é que não sejam muito boas.
Até há pouco tempo, o nosso protagonista estava relativamente satisfeito, mas agora adivinham-se problemas complicados para o seu lado. E não temos a certeza de que ele seja capaz de os solucionar.
“As forças alinhadas contra o herói, sejam elas internas ou externas, apertam as suas garras. O mal não vai desistir e o herói não tem a quem pedir ajuda. Está sozinho e tem de resistir. Está a encaminhar-se para uma grande queda”, escreve Blake Snyder.
11. Está Tudo Perdido
Nome original: All Is Lost
Deve surgir na página: 75
Se o que aconteceu no “Ponto Médio” foi bom, então este momento vai ser devastador, porque as coisas nunca são tão boas como parecem.
No entanto, se o que aconteceu no “Ponto Médio” foi mau, então este momento vai ser positivo, porque as coisas também nunca são tão más como aparentam.
Seja como for, a velha forma de pensar e agir está morta. Aproxima-se algo novo.
“É o oposto do ponto médio na escala de ‘cima’ ou ‘baixo’. É também um ponto no guião frequentemente descrito como ‘falsa derrota’, pois, embora tudo pareça desmoronar-se, é apenas temporário”, explica Blake Snyder. “Ainda assim, parece mesmo uma derrota total.”
12. A Noite Sombria da Alma
Nome original: Dark Night of the Soul
Deve surgir entre as páginas: 75 e 85
Como é que o nosso protagonista reage aos eventos do “Está Tudo Perdido”?
Este ponto narrativo, que Blake Snyder defende que, num filme, tanto pode demorar cinco segundos como cinco minutos, serve apenas para isso: para que os leitores e espectadores percebam o impacto dos mais recentes acontecimentos no herói.
“Como o nome sugere, é a escuridão antes do amanhecer. O instante antes de o herói se arrastar das profundezas e soltar a sua melhor ideia para se salvar a si próprio e a toda a gente”, escreve Blake Snyder. “Mas, neste momento, não se avista essa ideia em lado nenhum.”

13. Entrada no Terceiro Ato
Nome original: Break Into Three
Deve surgir na página: 85
As tristezas não duram para sempre e as alegrias também não. Demonstrando um impressionante engenho/coragem/bom coração, o nosso protagonista sai-se com um plano para sair do lodo que, embora baseado em tudo o que aprendeu até ao momento, é completamente disruptivo para com a sua forma anterior de ser.
Estamos prontos para deixar em definitivo a instabilidade do segundo ato, seja em direção a um estável mundo bom ou a um estável mundo mau.
“Graças aos personagens do enredo secundário, a todas as conversas sobre o tema e aos esforços finais do herói para descobrir uma solução para derrotar os antagonistas que se têm estado a aproximar e a vencer na história principal, a resposta é enfim encontrada!”, explica Blake Snyder.
14. Clímax
Nome original: Finale
Deve surgir entre as páginas: 85 e 110
Esta secção compreende todo o terceiro ato da história. É o momento em que o protagonista coloca em ação o seu plano. O momento em que se defrontam as forças opositoras. O momento em que nasce um novo mundo.
Será isso bom ou mau para o nosso protagonista? O que interessa é que faça sentido, tendo em conta tudo o que acompanhámos até aqui.
“O clímax é o terceiro ato. É onde fechamos tudo. Onde as lições aprendidas são aplicadas. Onde os tiques do personagem são domados. Onde o enredo principal e o enredo secundário terminam em triunfo. É o virar de página no velho mundo e a criação de uma nova ordem mundial”, escreve Blake Snyder.
15. Imagem Final
Nome original: Final Image
Deve surgir na página: 110
Vivem todos felizes para sempre? Os perigos continuam? Adivinham-se novas aventuras? Quais foram as consequências do conflito final? Como é o novo mundo em que os nossos personagens se encontram?
Não nos devemos demorar demasiado neste momento, porque, para todos os efeitos, a história já terminou e os leitores sabem disso, mas é vantajoso dar-lhes um vislumbre rápido do que mudou. Caso contrário, podem ficar com a sensação de que a história terminou de forma demasiado brusca.
“A imagem final de um filme é o oposto de uma imagem de abertura”, explica Blake Snyder. “É a prova de que a mudança aconteceu e que é real.”
O Save the Cat vale a pena?
Blake Snyder é rígido demais no que respeita à aplicação do Save the Cat, o que pode afastar alguns escritores. No entanto, são precisamente as restrições que impõe que ajudam a simplificar o desenvolvimento das histórias.
A criatividade é trabalhada passo a passo, de forma doseada, razão pela qual é um modelo que se adequa mais a autores que apreciam “pintar dentro das linhas”. Para os outros, existe, por exemplo, o Story Circle, de Dan Harmon.
Queres mais informações sobre o Save the Cat? Lê os livros publicados, consulta o site oficial ou entra em contacto comigo.