O que é o Story Circle de Dan Harmon?

Story Circle de Dan Harmon, um dos métodos mais populares para escrever histórias.

O Story Circle é um modelo para a construção de histórias. Foi desenvolvido pelo americano Dan Harmon, o famoso criador das séries televisivas Community e Rick and Morty.

Um dos modelos de escrita mais utilizados nos tempos modernos, o Story Circle ajuda os escritores a definir o esqueleto (ou “embrião”, como Dan Harmon prefere dizer) de uma narrativa em três atos.

Está dividido em oito etapas, cujos nomes vou adaptar para facilitar a explicação:

  1. You [Protagonista]
  2. Need [Desejo]
  3. Go [Partida]
  4. Search [Procura]
  5. Find [Descoberta]
  6. Take [Custo]
  7. Return [Regresso]
  8. Changed [Mudança]

Analisemos cada etapa um pouco mais a fundo.

Quais são as oito etapas do Story Circle?

1. Protagonista

Todas as histórias devem ter um protagonista com o qual o leitor ou espectador se possa identificar.

Ao contrário do que o nome original da etapa pode indiciar, esse protagonista não precisa de ser baseado em ti. Também não necessita de ter qualidades tipicamente associadas a um herói.

Na verdade, nem sequer tem de ser humano.

Deve, contudo, ser caracterizado através de traços — positivos ou negativos — nos quais o leitor/espectador se consiga rever ou reconhecer terceiros.

Alex DeLarge, protagonista de "A Laranja Mecânica".

Por exemplo, em A Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, o protagonista é um perigoso jovem delinquente chamado Alex. Não é expectável que os leitores se identifiquem com as ações ou com os pensamentos de Alex (espero!), mas é importante que reconheçam nele uma pessoa potencialmente real, caso contrário ser-lhes-á difícil estabelecerem uma ligação com a história.

Por outro lado, em livros como O Apelo da Selva, de Jack London, o protagonista nem sequer é humano. Neste caso, é um cão. No entanto, o autor recorre ao antropomorfismo e atribui-lhe qualidades como orgulho, engenho e sentido lógico, que facilitam a identificação.

Quem é o teu protagonista? Quais são os seus principais traços de personalidade? Como é a realidade que o rodeia? Estas são as questões a que deves responder nesta etapa do círculo.

2. Desejo

Não basta criares um protagonista interessante. Para desenvolveres uma história, esse personagem deve ter um objetivo. Um desejo. Idealmente externo.

No livro Carrie Soto Está de Volta, de Taylor Jenkins Reid, a protagonista é uma profissional de ténis reformada que deseja evitar que uma jovem jogadora ultrapasse o seu recorde de vitórias.

Em A Rapariga no Comboio, de Paula Hawkins, a protagonista é uma alcoólica deprimida que deseja descobrir o que aconteceu a uma mulher que costumava ver durante as suas viagens diárias de comboio.

É este desejo que vai forçar o teu personagem a agir, arrancando efetivamente a narrativa.

Mas, e eis o twist da coisa, o desejo de um personagem nem sempre é aquilo de que o personagem necessita. 

Lembra-te disto, porque vai ajudar a dar uma complexidade especial à tua história.

3. Partida

O teu protagonista está descansado na sua zona de conforto, mas pretende qualquer coisa de forma tão intensa que, quer o queira ou não, vai ter de se mexer para a obter.

É nesta etapa que ele parte para a aventura, lançando-se numa realidade que não lhe é familiar.

Harry Potter, da série de livros escrita por J. K. Rowling.

Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, de J. K. Rowling, é o momento em que Harry deixa a casa dos tios para se inscrever em Hogwarts.

Em A Maldição de Hill House, de Shirley Jackson, é quando Eleanor decide trocar temporariamente a sua casa pela arrepiante Hill House.

A transição não precisa de ser física. Pode nem sequer ser voluntária. Mas marca um ponto de rutura na vida do nosso personagem.

4. Procura

O teu protagonista saiu da zona de conforto e tudo lhe parece estranho, perigoso e difícil de navegar. Terá, no entanto, de se adaptar à nova realidade se pretende alcançar o seu desejo.

Esta adaptação surge na forma dos bizarros entraves com que Alice se depara ao dar entrada no País das Maravilhas. Ou das acusações da polícia (e da imprensa) que Nick Dunne enfrenta no livro Em Parte Incerta, de Gillian Flynn.

Eis um conselho: procura encarar esta etapa como um primeiro grande obstáculo (ou uma série deles) no caminho da tua personagem. 

Para o contornar, ela terá de recorrer às capacidades que melhor a definem ou às estratégias com as quais se encontra familiarizada. Pelo meio, pode ser que tenha de improvisar um pouco.

5. Descoberta

Graças à capacidade demonstrada pelo protagonista para navegar em águas desconhecidas, vai finalmente alcançar o que pretendia. Ou, pelo menos, vai dar um passo importante nesse sentido.

Este é um momento importante, porque não só dá ao leitor/espectador uma sensação de evolução narrativa como marca um novo ponto de viragem na história.

No clássico O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, é o momento em que Jay Gatsby e Daisy Buchanan se encontram.

Em Carrie, de Stephen King, é quando a tímida Carrie White é eleita a rainha do baile.

Parece tudo muito bem, não é? Mas lembra-te do que escrevi na segunda etapa: aquilo que um personagem deseja nem sempre é aquilo de que um personagem necessita.

E mais: por vezes, as coisas que conquistamos vêm com um preço.

6. Custo

É nesta etapa que o teu protagonista percebe que talvez tenha andado todo este tempo em busca da coisa errada. Ou que o seu desejo veio com uma inesperada contrapartida que lhe deixou a vida do avesso. Ou que ainda lhe falta mais alguma coisa para ser feliz.

Ainda não está como gostaria de estar. Na verdade, sente-se ainda pior do que quando iniciou a sua aventura.

Na etapa anterior, referi a eleição de Carrie White como rainha do baile. Se já leste a história ou viste alguma das suas adaptações ao grande ecrã, talvez te recordes que a felicidade dela não durou muito tempo, graças a um maldoso balde cheio de sangue de porco.

Carrie White, do livro escrito por Stephen King.

Procura encarar esta sexta etapa da mesma forma que encaraste a quarta: um novo obstáculo no caminho do teu protagonista. Com a diferença de que este não é um obstáculo qualquer. É o maior que enfrentou até agora. E a forma como o teu protagonista tem até aqui gerido os desafios já não será suficiente para solucionar este problema.

Vai precisar de superar os seus medos. Ultrapassar as fraquezas. Pensar em algo novo, idealmente baseado em tudo o que aprendeu até ao momento, para se desenvencilhar deste gigantesco problema.

7. Regresso

Desde a terceira etapa que o teu protagonista está mergulhado no caos. Agora, vai voltar a meter as coisas em ordem. Vai “retornar” à estabilidade — seja esta boa, má ou assim-assim.

Na prática, isto significa que é aqui que vemos o resultado das decisões tomadas na etapa anterior. Como é que o protagonista enfrentou o problema que o assolava? O resultado foi positivo ou negativo? Quais são as consequências disso?

Lembras-te de como a Carrie White reagiu ao banho de sangue? Com um novo banho de sangue, desta vez perpetrado por ela.

É o clímax da história, mas também o momento em que a poeira começa a assentar, por isso faz com que conte. 

8. Mudança

O Story Circle chega ao fim com uma etapa que, embora opcional, pode trazer grandes benefícios à história que queres contar.

Isto porque, no regresso do protagonista a um ponto de estabilidade, talvez tenha aprendido alguma coisa importante sobre ele próprio, quem o rodeia ou a vida no geral. Talvez tenha experienciado uma mudança profunda na forma como age e reage a determinadas situações. Talvez tenha alterado por completo os seus objetivos.

Se isto aconteceu, toda a história teve um propósito: ajudou o protagonista a mudar, de forma positiva ou negativa.

Dito isto, também existem ótimas histórias em que o protagonista se mantém inalterado apesar de tudo o que vive, mas nesses casos é importante que seja ele próprio um agente de mudança junto aos personagens ou contextos que encontra. Caso contrário, o leitor/espectador pode ficar com a sensação de que a história não serviu para nada.

Exemplos práticos do Story Circle

A partir de tudo o que aprendemos com o Story Circle, conseguimos desenvolver histórias mais completas e sustentadas do ponto de vista estrutural.

Naturalmente, não é obrigatório que recorramos a todas as etapas para contar uma história, mas quantas mais retirarmos, menores são as nossas probabilidades de que aquilo que estamos a contar seja entendido como uma história.

Por exemplo, se dissermos que um rapaz com uma perna partida está cheio de sede a ver televisão no sofá, isto não é uma história.

Agora, se dissermos que (1) um rapaz com uma perna partida (2) quer muito beber água, por isso (3) decide levantar-se do sofá, (4) recorrendo a uma muleta improvisada, (5) para ir à cozinha buscar um copo com água, mas (6) a muleta escapa-lhe das mãos e ele estatela-se no chão, (7) forçando-se depois a rastejar de volta para o sofá, (8) decidido a não voltar a fazer esforços até ficar bom da perna, isto já se assemelha mais a uma história.

Não a uma boa história, é claro, mas a uma história.

Queres mais um exemplo? No vídeo abaixo, o próprio Dan Harmon explica como aplicou o método do Story Circle à escrita de um episódio da série animada Rick and Morty:

Gostavas de escrever uma história do início ao fim utilizando o método do Story Circle? Posso ajudar-te nisso. Envia-me uma mensagem através do formulário de contacto.

Bom trabalho!

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