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O Perfume de Patrick Süskind: um clássico incompreendido?

Os delicados aromas de O Perfume: História de um Assassino, o único romance publicado até à data por Patrick Süskind, tornaram-no um clássico dos tempos modernos. Mas será que os leitores entenderam o significado da história?

A influência dos cheiros

Como tantos outros livros antes deste, O Perfume nasceu muito antes de ser escrito.

No início da década de 1970, o alemão Patrick Süskind foi estudar História Moderna e Medieval para Aix-en-Provence, uma das principais regiões produtoras de perfume da França. Por lá se familiarizou com os mais distintos aromas e compreendeu, pela primeira vez, o imenso poder do olfato.

Não chegou a concluir os estudos: optou antes por uma carreira como escritor. O seu primeiro grande sucesso foi uma peça intitulada O Contrabaixo, que lhe valeu um convite, por parte do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, para publicar algo um pouco mais extenso, em jeito de folhetim.

Foi desta forma que O Perfume foi originalmente distribuído, no final de 1984, ganhando uma edição em livro no ano seguinte.

Qual é a história?

O Perfume narra a história de Jean-Baptiste Grenouille, um aprendiz de perfumista que nasce sem cheiro próprio mas com um olfato sobre-humano. O curioso protagonista dedica posteriormente a sua vida à missão de criar o aroma perfeito — mesmo que, para isso, tenha de se tornar um assassino em série.

A narrativa decorre na França do século XVIII, fazendo uso preferencial de descrições olfativas para pintar um impressionante retrato da realidade da época. No entanto, Süskind afirma tê-la escrito com as mais modestas ambições:

Julguei que fosse uma história tão absurda que, se alguma vez a terminasse, apenas seria capaz de agradar a um certo tipo de leitores. Pessoas interessadas em História e literatura. Talvez [vendesse] cinco mil cópias.

Em vez disso, vendeu milhões. Mais de 20 milhões, para ser mais exato, o que o torna um dos livros alemães mais vendidos de todos os tempos. Foi ainda adaptado, por diversas vezes, ao cinema e à televisão, e até deu origem a canções de bandas como Nirvana, Rammstein, Marilyn Manson e Moonspell.

Perceberam a mensagem?

Aclamado pela crítica, O Perfume foi de imediato distinguido com um prémio literário para melhor romance de estreia, mas Süskind apressou-se a recusá-lo, alegando que não tencionava aceitar qualquer distinção deste género na sua vida.

Na verdade, e não obstante o sucesso alcançado, Patrick Süskind teme que as pessoas – em especial as do seu país – não tenham entendido a história.

O alemão considera particularmente preocupante que tantos leitores se identifiquem com o seu perturbado protagonista. É que, embora alguns considerem O Perfume uma mera fábula criminal, outros veem em Jean-Baptiste Grenouille uma espécie de ícone religioso com um apelo inabalável.

Este sentimento ganha um novo significado se considerarmos que a intenção de Süskind era usar Grenouille para comentar a inexplicável sedução que Adolf Hitler exerceu sobre a população alemã na primeira metade do século XX.

Este é, segundo diz, o assunto que domina todos os autores da sua geração:

Não importa se escrevem poemas, peças ou romances. Seja qual for o formato, é esse o tema.

Mais: se, na escrita, optou por situar a narrativa numa realidade tão distante como a França do século XVIII, foi porque considerou que terá sido nesta época que surgiu o tipo de homem que Grenouille representa, o tipo de homem que Hitler foi, como uma espécie de consequência nefasta do Iluminismo.

Porque O Perfume nasceu muito antes de ser escrito. E até de o próprio Süskind existir.

O Perfume

Patrick Süskind

A edição portuguesa, publicada pela Editorial Presença, conta com uma tradução de Maria Emília Ferros Moura e encontra-se incluída no Plano Nacional de Leitura.

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